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desequilibrado, desalinhado, descentrado
[AH ONDE ESTOU ONDE PASSO OU ONDE NÃO ESTOU NEM PASSO ]
Ah, onde estou onde passo, ou onde não estou nem passo,
A banalidade devorante das caras de toda a gente!
Ah, a angústia insuportável de gente!
O cansaço inconvertível de ver e ouvir!
(Murmúrio outrora de regatos próprios, de arvoredo meu.)
Queria vomitar o que vi, só da náusea de o ter visto,
Estômago da alma alvorotado de eu ser...
In Poesia , Assírio & Alvim, ed. Teresa Rita Lopes, 2002
Álvaro de Campos
Cavaco falou ao país.
E o país ouviu.
Os comentadores
comentaram.
Os analistas
analisaram.
Os politólogos
interpretaram.
E os cidadãos
interrogaram-se:
o que é que ele
disse?
M. Pinto
Sempre aprendi com os
meus pais a não desejar
o mal dos outros.
Por isso,
custa-me a entender como
podem estar todos tão
satisfeitos com o facto
de o PS ter perdido
a maioria absoluta.
M. Pinto
Depois da campanha
eleitoral.
Uma certeza:
a globalização
tornou-nos iguais:
mau para o homem,
bom para as pandemias.
M. Pinto
Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã...
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não...
Não, hoje nada; hoje não posso.
A persistência confusa da minha subjectividade objectiva,
O sono da minha vida real, intercalado,
O cansaço antecipado e infinito,
Um cansaço de mundos para apanhar um eléctrico...
Esta espécie de alma...
Só depois de amanhã...
Hoje quero preparar-me,
Quero preparar-rne para pensar amanhã no dia seguinte...
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos...
Amanhã é o dia dos planos.
Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o mundo;
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã...
Tenho vontade de chorar,
Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro...
Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
Só depois de amanhã...
Quando era criança o circo de domingo divertia-me toda a semana.
Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância...
Depois de amanhã serei outro,
A minha vida triunfar-se-á,
Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático
Serão convocadas por um edital...
Mas por um edital de amanhã...
Hoje quero dormir, redigirei amanhã...
Por hoje, qual é o espectáculo que me repetiria a infância?
Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,
Que depois de amanhã é que está bem o espectáculo...
Antes, não...
Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei.
Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser.
Só depois de amanhã...
Tenho sono como o frio de um cão vadio.
Tenho muito sono.
Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã...
Sim, talvez só depois de amanhã...
O porvir...
Sim, o porvir...
14 - 4 - 1928
In Poesia , Assírio & Alvim, ed. Teresa Rita Lopes, 2002
Álvaro de Campos
ADIAMENTO
"A líder do PSD, Manuela Ferreira Leite, afirmou hoje que o afastamento de Fernando Lima, até ontem assessor do Presidente da República, "não prejudica em nada a campanha do PSD", escusando-se, no entanto, a comentar directamente o caso." (Publico online)
A Manuela tem toda a razão:
ao contrário do que se pensa,
este caso beneficia claramente
o PSD.
Até convém (à Manuela) que se mantenha
na agenda política o maior
tempo possível.
Até um cego vê!
M. Pinto
São Bento escuta Belém.
Belém escuta São Bento.
O Procurador-Geral acha que está sob escuta.
Qualquer um pode estar sob escuta
diz a oposição.
As redacções dos jornais
são escutadas.
Os Serviços Secretos escutam
mas de acordo com a lei...
(avisam que vão escutar).
No processo "Apito Dourado"
houve escutas,
mas não têm valor jurídico -
logo, tudo inocente!
Escutar deve ser bom!!!
M. Pinto
"Tudo está a mudar, tudo está na mesma (1)
Por José Pacheco Pereira
Continua a ausência de vários temas dos mais importantes da vida política, como a Europa, as relações externas e a defesa." (Publico online)
Se os debates se debruçassem sobre a Europa, as relações externas e a defesa.
O Pacheco dizia, que tinha de se falar sobre a educação, a segurança e a economia.
Eu gosto muito do Pacheco.
Porque sou igual a ele.
M. Pinto
A liberdade, sim, a liberdade!
A verdadeira liberdade!
Pensar sem desejos nem convicções.
Ser dono de si mesmo sem influência de romances!
Existir sem Freud nem aeroplanos,
Sem cabarets, nem na alma, sem velocidades, nem no cansaço!
A liberdade do vagar, do pensamento são, do amor às coisas naturais
A liberdade de amar a moral que é preciso dar à vida!
Como o luar quando as nuvens abrem
A grande liberdade cristã da minha infância que rezava
Estende de repente sobre a terra inteira o seu manto de prata para mim…
A liberdade, a lucidez, o raciocínio coerente,
A noção jurídica da alma dos outros como humana,
A alegria de ter estas coisas, e poder outra vez
Gozar os campos sem referência a coisa nenhuma
E beber água como se fosse todos os vinhos do mundo!
Passos todos passinhos de criança…
Sorriso da velha bondosa…
Apertar da mão do amigo sério…
Que vida que tem sido a minha!
Quanto tempo de espera no apeadeiro!
Quanto viver pintado em impresso da vida!
Ah, tenho uma sede sã. Dêem-me a liberdade,
Dêem-me no púcaro velho de ao pé do pote.
Da casa do campo da minha velha infância…
Eu bebia e ele chiava,
Eu era fresco e ele era fresco,
E como eu não tinha nada que me ralasse, era livre.
Que é do púcaro e da inocência?
Que é de quem eu deveria ter sido?
E salvo este desejo de liberdade e de bem e de ar, que é de mim?
17 - 8 - 1930
In Poesia , Assírio & Alvim, ed. Teresa Rita Lopes, 2002
Álvaro de Campos
"A líder social-democrata, Manuela Ferreira Leite, afirmou hoje, no Funchal, que a Madeira é exemplo de um “bastião inamovível” e de "um bom governo do PSD”.
(...) Em relação à Madeira, “julgo que há comunicação social contra o governo, mas no continente muitas das vozes que são audíveis sofrem a respectiva retaliação” (I online)
Pronto.
Já não há dúvidas.
Nem é preciso ler o programa laranja:
já percebemos como a
Manuela irá funcionar.
Se ganhar as eleições.
M. Pinto